Denúncia Aponta Desvios Em Emendas Do Deputado Israel Batista

Distrital destinou R$ 1,9 milhão para projeto não executado integralmente. Assessor foi exonerado após caso vir à tona

O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) analisa denúncia que chegou ao órgão contra Deoclecio Luiz Alves de Souza, o Didi – até a semana passada, quando foi exonerado, ele era um dos homens de confiança do deputado distrital professor Israel Batista (PV). Além de Didi, o empresário Romero Pimentel e a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) são acusados de irregularidades.

Uma emenda de R$ 946 mil e outra de R$ 977,4 mil, somando pouco mais de R$ 1,9 milhão, não teriam sido executadas como deveriam e há suspeita de que parte dos recursos foi desviada. O dinheiro era destinado ao projeto Sara e Sua Turma, uma iniciativa paradidática em escolas da rede pública. Porém, segundo a acusação, do montante destinado a pagamentos para a Editora Phoco – R$ 1,29 milhão, cerca de R$ 690 mil teriam evaporado.

Criado para trabalhar a inclusão de crianças vítimas de preconceito dentro e fora de sala de aula, o projeto Sara e Sua Turma serve como preparatório para a Prova Brasil – que integra a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, criada com o objetivo de aferir a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro.

A iniciativa bancada com a emenda do deputado Israel Batista (foto em destaque) inclui livros paradidáticos – materiais que, sem serem propriamente relativos ao ensino, são utilizados para este fim. Mas parte deles não chegou às mãos dos alunos. Segundo a denúncia protocolada no MPDFT, a razão seria o desvio de recursos públicos.A denúncia
De acordo com a acusação, em setembro de 2016, o empresário Romero Pimentel, do ramo de eventos, teria atuado como lobista ao procurar a dona da Editora Phoco, Gisele Gama Andrade. Ela é a criadora dos personagens da Sara e Sua Turma. Na ocasião, Pimentel propôs que a escritora e empresária apresentasse a obra ao deputado Israel Batista.

Após conhecer a proposta, o parlamentar gostou da ideia e decidiu destinar uma emenda para que o projeto fosse implementado em escolas públicas do Distrito Federal por meio da Secretaria da Criança, Adolescente e Juventude. Israel Batista tem grande influência no órgão, uma vez que boa parte dos cargos de chefia da pasta são indicações do deputado.

A responsabilidade sobre a forma como a emenda seria repassada ficou por conta de Deoclecio Luiz Alves de Souza. Assessor especial de gabinete que recebia R$ 5.589,42 mensais na Câmara Legislativa, Didi tinha a função de acompanhar a execução de todos os recursos oriundos de emendas de autoria de Israel Batista.

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A personagem Sara, criada por Gisele Gama Andrade

 

Do convênio ao instituto
Ainda em setembro de 2016, o projeto não pôde ser implementado, uma vez que Didi e Romero Pimentel queriam que a modalidade de contratação fosse feita por convênio. Três meses depois, a dupla encontrou uma solução. Em dezembro daquele ano, Gisele Gama foi novamente procurada para que o Sara e Sua Turma chegasse às escolas públicas por meio do Instituto Terra Utópica, uma entidade desconhecida que, mesmo sem ter sequer página virtual, recebeu vultosos recursos dos cofres públicos.

A primeira emenda, de R$ 946 mil, foi liberada em fevereiro de 2017, segundo consta no Portal da Transparência do GDF. O valor correspondia à produção e distribuição de material para cerca de 8 mil alunos nos turnos matutino e vespertino de 50 escolas públicas, além da contratação de contadores de história com experiência. Desse montante, R$ 630 mil deveriam ser pagos à Editora Phoco.

Mas os recursos acabaram não sendo repassados na integralidade. De acordo com a denúncia, apenas R$ 400 mil dos R$ 630 mil foram pagos à Editora Phoco. Segundo Gisele Gama, coube ao empresário Romero Pimentel a avisar sobre o problema com o dinheiro.

Ele me disse que o projeto tinha ficado menor e, por isso, se eu quisesse poderia entregar menos livros. Achei que era verdade e, para não prejudicar o restante das crianças, me dispus a doar todo o material. Mas até hoje eles não assinaram o termo de doação que fiz

Gisele Gama, escritora e dona da Editora Phoco

Outro problema relatado por Gisele é que, ao contrário do acordado, a iniciativa passou a atender apenas um dos turnos escolares. “Eles só fizeram em um turno, não em dois, como estava no projeto. Mas doamos os livros porque disseram que o dinheiro tinha ido para outra finalidade. Não suspeitei que pudesse haver alguma irregularidade.”

Contadores de história a menos
Além da quantidade menor de material, o número de contadores de história contratados também ficou abaixo do previsto. Segundo a denúncia levada ao MPDFT, Romero Pimentel passou a contratar os profissionais diretamente. No entanto, essa atribuição deveria ser do Instituto Terra Utópica.

Pimentel apresentou nota ao Metrópoles, na qual consta a contratação de 26 contadores. Mas um desses profissionais ouvidos pela reportagem assegura que apenas duas pessoas desempenhavam toda a atividade.

“Nós fazíamos mais do que devíamos, pois buscávamos os livros em uma casa do Lago Sul. Se não fosse pela gente, esse material estaria até hoje dentro de uma salinha, estragando e sem chegar às crianças”, afirma uma das contadoras, que pediu para ter o nome preservado. Segundo essa profissional, ela e a colega trabalhavam apenas um turno e recebiam R$ 500 por instituição visitada.

 

Segunda emenda maior, repasse menor
Depois de concluída a primeira fase do projeto, o deputado Israel Batista destinou nova emenda, também para 8 mil crianças. O valor, liberado em agosto de 2017, foi de R$ 977.440. Dessa vez, 32 mil exemplares foram impressos. Porém, a Editora Phoco recebeu o aviso de que apenas um terço do material seria recebido, porque o GDF havia contingenciado os recursos.

Dos R$ 660 mil que deveriam ser pagos à editora, pouco mais de R$ 200 mil foram repassados, e a entrega dos livros ocorreu em uma casa no Lago Sul, não na secretaria. O fato despertou a suspeita de Gisele Gama.

“Nós fomos à Secretaria da Criança em outubro de 2017 e pedimos o número do processo, mas não quiseram nos informar. Então, em fevereiro deste ano, quando eu pesquisava notícias sobre nosso projeto, descobri na internet que o dinheiro já havia sido pago, em 30 de agosto”, diz a escritora e empresária.

Gisele voltou à Secriança após o feriado de carnaval e questionou a pasta. Como resposta, foi orientada a procurar o gabinete de Israel Batista para tratar do assunto. Em nome do deputado, quem a atendeu foi Deoclecio Luiz Alves de Souza.

Segundo Gisele, dos R$ 690 mil que a Editora Phoco ainda deveria receber, Didi disse que apenas R$ 418 mil seriam pagos, em duas parcelas de R$ 209 mil. Mas a dívida começou a ser quitada de forma estranha.

O primeiro pagamento à Editora Phoco ocorreu via pessoa física, não pelo Instituto Terra Utópica, e por meio de vários depósitos de pequenas quantias. A segunda parcela, prevista para o fim de março deste ano, não foi quitada conforme combinado, sob o argumento que o instituto estava sem dinheiro para quitar a dívida.

 

Ao Metrópoles, Gisele manifestou sua indignação. “Fizeram com a gente tudo aquilo que a gente luta contra. É um trabalho de uma vida toda, reconhecido, e que não podemos deixar se perder. Já temos o prejuízo financeiro, mas o pior é o que estão fazendo com as crianças, que tanto tentamos incluir na sociedade”, lamentou.

Nesta terça (27/3), Gisele fez um desabafo no Facebook.Confira:

 

Servidor exonerado
Na semana passada, três dias após o Metrópolesprocurar o deputado Israel Batista para comentar a denúncia, Deoclecio Luiz Alves de Souza foi exonerado. A justificativa dada pela assessoria do parlamentar foi que Didi, responsável pela escolha do projeto Sara e Sua Turma e pela indicação do Instituto Terra Utópica, “não seguiu as normas de fiscalização das emendas propostas pelo mandato”.

A assessoria do distrital disse ainda que pediu informações sobre o processo de contratação, mas não recebeu os dados. Fontes da Secretaria da Criança informaram à reportagem que, até esta terça (27), a pasta não tinha sequer concluído a prestação de contas da primeira fase do projeto.

Didi, por sua vez, negou quaisquer irregularidades. Ele disse que foi procurado por Gisele Gama por três vezes, sempre para reclamar de atrasos nos pagamentos. O ex-servidor conta que explicou para ela sobre o trâmite do Executivo e que “o atraso era devido ao parcelamento de salários anunciado pelo GDF”. O fatiamento dos contracheques do funcionalismo, no entanto sequer chegou a ser implementada pelo governo local.

O ex-servidor assegurou ainda que a escolha do projeto Sara e Sua Turma teve “relação estrita com o objetivo do mandato do deputado, que é promover a educação”.

Já a Secriança informou, por meio de nota, que “todos os problemas indicados pela denúncia são de âmbito entre particulares”, que “os recursos são repassados antes da execução” e “a primeira fase está em processo de análise de prestação de contas”. Por esse motivo, disse a pasta, os dados não poderiam ser apresentados à reportagem.

O empresário Romero Pimentel confirmou que intermediou o contato com o gabinete de Israel Batista, mas disse que nunca fez parte do Instituto Terra Utópica. Ele negou ser lobista e afirma que sua contrapartida por ajudar no processo foi a contratação, por meio de sua empresa, dos contadores de história.

O presidente do Instituto Terra Utópica, Robson Assis, disse não saber da dívida com a editora. Segundo ele, os recursos foram depositados pela Secretaria da Criança em um conta específica para essa finalidade e repassados à Editora Phoco.

Fonte: Metrópoles