Câmara Legislativa do Distrito Federal: Renovação, onde ?

    rafaelprudente:2014
    O mais jovem distrital eleito no dia 5 tem um sobrenome que é velho conhecido do brasiliense. Ele é filho de Leonardo, o deputado das meias valiosas

    No dia 27 de novembro de 2009, as cortinas do submundo se abriram em Brasília. Uma das primeiras surpresas que emergiram da Caixa de Pandora, o nome da operação policial à época, ganhou repercussão planetária. Nunca antes na história do Distrito Federal deputados candangos foram tão falados no Brasil e no mundo. Malfalados, é verdade. O motivo da projeção: cenas fortes em que parlamentares eram flagrados escondendo dinheiro de corrupção. Viu-se, então, Leonardo Prudente guardar notas nos recônditos de sua vestimenta. Eurides Brito mostrou para que serve uma bolsa grande. Para esconder melhor os pacotes de cédulas. E Júnior Brunelli rezou para que a farra tivesse vida longa, a famosa oração da propina. Quase cinco anos depois, alguns dos personagens — ou seus prepostos — envolvidos no maior escândalo político do DF estão de volta…

    O mais jovem distrital eleito no dia 5 tem um sobrenome que é velho conhecido do brasiliense. Rafael Prudente, 30 anos, obteve a nona melhor colocação entre seus pares, com 17 581 votos. Um feito para um candidato de primeira viagem que nunca ocupou cargo público. Ele é filho de Leonardo, o deputado das meias valiosas. Empresário como o pai, Rafael atua nas firmas de segurança privada da família. Agora, vai assumir a vaga que já pertenceu ao patriarca, condenado por improbidade administrativa em consequência das investigações da Pandora. Como explicar essa vitória depois de tão retumbante vexame? “A ética começa quando a necessidade termina”, diz Alberto Ribeiro de Barros, professor da Universidade de São Paulo especializado no tema. Boa parte da base eleitoral dos Prudente é formada por funcionários das empresas que eles administram. É bom lembrar que essas firmas mantêm contratos com o governo, relação que o parlamentar deve fiscalizar. “A eleição de um distrital com flagrante interesse empresarial no Executivo guarda em si uma contradição. Se o histórico é problemático, há mais uma evidência de que faltam educação política e alfabetização democrática ao eleitorado”, diz o cientista político Alexandre Gouveia.

    O clã Prudente não foi o único a driblar crises ultrajantes e se recolocar na política local. Rafael vai dividir a bancada com os colegas Robério Negreiros (PMDB) e Cristiano Araújo (PTB). Bem antes de se tornar distrital pela primeira vez, Negreiros amargou uma quarentena na cadeia. Foi preso em 2004 no âmbito da Operação Sentinela. Na época, a Polícia Federal apurava a participação da Brasfort, empresa de sua família, em esquema de fraude em licitação do Tribunal de Contas da União. O episódio certamente não foi considerado relevante para os 9 256 eleitores que deram a Negreiros um voto de confiança em 2010. Naquela eleição, ele ficou na primeira suplência e teve de esperar que um colega mais enrolado lhe abrisse caminho. Não demorou. Em 2012, Benício Tavares, o titular da vaga, foi cassado por compra de votos. O peemedebista cumpria sua sexta legislatura e já havia superado, sem perder o cargo, condenação por desviar recursos de uma entidade de deficientes físicos, além da denúncia de pedofilia a bordo de um barco de passeio no Amazonas. Mas Benício acabou abatido por crime eleitoral. E assim, de suplente em 2010, Negreiros saltou para o posto de segundo distrital mais votado nesta legislatura. Também herdeiro de uma firma de segurança, Cristiano Araújo (PTB) foi denunciado neste ano pelo Ministério Público do DF por fraude à Lei de Licitações. Inquérito da Polícia Civil apontou que o parlamentar usou critérios próprios para selecionar candidatas ao programa de bolsas da Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP). No crivo de Araújo, contou o quesito beleza. Soma-se à lista de enrolados na Justiça e legitimados nas urnas Agaciel Maia. Quatro dias antes de ele ser reeleito distrital, o ex-diretor-geral do Senado foi condenado pela Justiça Federal no episódio dos atos secretos.

    Em termos absolutos, metade dos 24 assentos da Câmara Legislativa será ocupada por parlamentares sem mandato nos últimos quatro anos. Uma aparente renovação. Mas esse índice de novidades não sobrevive a uma análise menos rasa. Bispo Renato (PR) e Raimundo Ribeiro (PSDB) foram distritais na legislatura retrasada e integraram a base governista de José Roberto Arruda. Em 2010, com o mensalão do DEM assombrando as coligações dos aliados de Arruda, acabaram alijados da Câmara. Quatro anos depois, voltam aos seus postos legislativos. Sem ter precisado passar pelo ostracismo, Rôney Nemer (PMDB) está no grupo dos distritais condenados por improbidade administrativa. Ele é acusado pelo Ministério Público de ter recebido mesada em troca de apoio político. No dia 5, conquistou seu primeiro mandato como deputado federal pelo DF.
    O discurso de ineditismo não cola nem mesmo no caso daqueles que estreiam no Parlamento. Juarezão, do PRTB, foi uma das apostas de Luiz Estevão para a Câmara Legislativa. Preso em Tremembé (SP) por falsificação de documento no episódio do TRT de São Paulo, o ex-senador não pode concorrer a cargos públicos. Mas ele investiu pesado com a intenção de formar uma bancada para chamar de sua. Guarda Jânio, também patrocinado pelo PRTB de Estevão, ficou na primeira suplência. Com quase 15 000 votos, obteve performance melhor que onze distritais eleitos, mas não conseguiu a titularidade por causa do coeficiente eleitoral. Há que lembrar que Liliane Roriz foi reeleita pelo partido do ex-senador enrolado com a Justiça. Na lista do parece novidade mas não é, figura ainda Telma Rufino (PPL). Líder comunitária na ocupação de Arniqueiras, Telma virou distrital pelas mãos do ex-deputado José Tatico, que financiou sua campanha. Tatico foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal por crimes previdenciários.

    Não é de hoje que a composição da Câmara Legislativa assusta os desavisados. Em 2004, reportagem de VEJA apontou a ficha corrida de um terço dessa Casa. Nesse meio está Carlos Xavier, condenado em abril a quinze anos de prisão por ser o mandante do assassinato de sua mulher. Motivos óbvios fizeram com que Xavier fosse expurgado do ambiente legislativo já na época das investigações. Mas, como na Casa do Espanto tudo é possível, a família Xavier tentou recolocar os pés na política. Um irmão de Carlos se candidatou neste ano com o slogan “el, el, el, agora é o Daniel”. Não desta vez.

    Fonte: Revista Veja Brasília/Por LILIAN TAHAN