Ataque contra judia na Bahia é tratado como racismo e injúria

Autora de ataque antissemita prestou depoimento na manhã deste domingo

A mulher suspeita de ataque antissemita contra uma comerciante judia, em Arraial d’Ajuda, no sul da Bahia, prestou depoimento na manhã deste domingo (4), segundo a Polícia Civil.

De acordo com o delegado Paulo Henrique de Oliveira, coordenador da 23.ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior, ela foi liberada porque não houve flagrante. A mulher, uma cidadã chilena que não teve o nome divulgado, é investigada pelos crimes de racismo, injúria, grave ameaça, dano qualificado e tentativa de agressão.

Imagens divulgadas em redes sociais mostram quando uma mulher avança contra a lojista judia, identificada como Herta Breslauer, de 54 anos, e a chama de “sionista, assassina de crianças” na última sexta-feira (2).

Um homem segura a mulher e tenta levá-la para fora da loja, mas ela derruba objetos das prateleiras da loja e tenta avançar contra a comerciante.

– Sionista, assassina de crianças. Eu vou te pegar, maldita sionista – grita a mulher.

Segundo o delegado, quando a Polícia Militar chegou, já não encontrou a investigada, que havia se misturado aos turistas – o distrito do município de Porto Seguro é um importante polo turístico baiano.

O delegado Oliveira disse que a Polícia Civil pediu à Justiça a adoção de medidas cautelares.

– Como não houve prisão em flagrante, representamos para que a autora dos fatos investigados seja proibida de entrar em contato com a vítima, pela proibição de se ausentar do país enquanto durar o processo, e para que seja proibida de frequentar o estabelecimento comercial da vítima”, disse.

Segundo o delegado, o conteúdo do depoimento permanece em sigilo devido à continuidade das investigações.

– Em termos gerais, a pessoa investigada alegou que toma remédios controlados, que já conhecia a vítima e perdeu a cabeça, mas que não agrediu a comerciante, pois foi contida pelo seu companheiro. Recebemos o laudo do exame pericial feito pela vítima e realmente não há lesões, mas o avanço do inquérito deve indicar se, além dos outros possíveis crimes, ela será indiciada por tentativa de lesão corporal ou vias de fato, que é uma contravenção penal – explicou.

Ainda conforme o delegado, o inquérito policial foi instaurado na Delegacia Territorial de Arraial d’Ajuda e apura possíveis crimes de racismo, injúria, grave ameaça e dano qualificado, além da tentativa de lesão corporal.

Segundo ele, o teor do boletim de ocorrência e outras informações referentes à investigação do caso não serão divulgados até a conclusão do inquérito.

Em nota, a Polícia Civil da Bahia informou que, no interrogatório, a investigada confessou os xingamentos, mas negou ser antissemita ou terrorista.

Alegou que já conhecia a vítima e teria sido provocada por esta antes dos fatos, tendo sido chamada de terrorista e acusada de ter abandonado um filho. Ainda conforme o interrogatório, ela alegou fazer uso de remédio controlado e disse que teve um ataque de fúria ao passar em frente à loja da vítima.

A advogada de Herta, Lilia Frankenthal, disse à reportagem que a vítima está bastante assustada e optou por não falar com a imprensa.

– A Herta está muito abalada. Ela mora lá há 14 anos e nunca aconteceu nada, é uma pessoa discreta.

Herta passou por exame no Instituto Médico Legal (IML) para a constatação de possíveis lesões decorrentes de um tapa no rosto.

– Ainda que não se constatem lesões, aconteceu a via de fato, uma contravenção penal devido ao tapa que ela recebeu.

Conforme a advogada, Herta e a mulher acusada de agressão se conheciam.

– Os filhos das duas são amigos de infância. Elas não são amigas, mas já se conheciam. Consta que algum tempo antes desse fato elas tiveram uma discussão sobre a guerra de Israel, mas nada relevante e depois disso não se falaram.

Na última sexta-feira, Herta estava sozinha quando a mulher entrou.

– A agressora perguntou se ela estava feliz e já deu um tapa no rosto. Depois começou a xingar e quebrar tudo. A Herta começou a filmar e o namorado tirou ela à força – contou.

Lilia disse que pediu a prisão da suspeita, com base na Lei 14 532/2023, de janeiro do ano passado, que equipara a injúria racial ao crime de racismo. A nova lei tornou a pena mais severa, com reclusão de dois a cinco anos, além de multa, não cabendo fiança. O crime não prescreve.

Segundo a legislação, deve ser considerada como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.

Em nota conjunta, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Sociedade Israelita da Bahia classificaram como “repugnante” a agressão contra a comerciante judia.

– O antissemitismo deve ser condenado por todos, e sua explosão nos últimos meses aqui no Brasil e no mundo é consequência de visões odiosas e distorcidas sobre Israel e judeus manifestadas por personalidades e distribuídas pelas redes sociais. Isso precisa acabar para evitarmos consequências ainda mais graves – diz a nota.

A reportagem não conseguiu contato com a investigada. Durante o depoimento à Polícia Civil, ela não foi acompanhada por um advogado e, até o início da tarde, não tinha constituído defensor para o processo.