“Eu me preparo para o governo todos os dias”, diz Joe Valle

Millena Lopes
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Apontado como alternativa para governar o Distrito Federal no próximo mandato, o presidente da Câmara Legislativa, deputado distrital Joe Valle (PDT), pede calma e diz que ainda precisa se preparar melhor para assumir o cargo de governador, com o qual ele sonha. “Não está na hora. Estou na fila”, diz ele, que reconhece discutir planos para governar Brasilia. Afinal, admite, “Eu me preparo para isso todos os dias”. Para 2018, ele diz querer apenas um mandato de deputado federal, já que está focado agora em “ressignificar a Câmara”. Exibe, orgulhoso, números da produtividade dos seis primeiros meses da gestão dele e a sala de presidente, que não tem mais a ostensiva estação de trabalho, mas uma mesa de reuniões, imagens do DF e quadros de monitoramento. Diz ser muito difícil trabalhar para melhorar a imagem da Casa, com uma quantidade expressiva de deputados investigados, mas que os resultados têm aparecido. Sobre a relação com o governo Rollemberg, Valle diz ser apenas institucional e, como prometeu ao tomar posse, em janeiro, independente e sem subserviência.

Com o encerramento do primeiro semestre de sua gestão à frente da Câmara Legislativa, que balanço você faz deste início de mandato? Muitas surpresas?
Começamos logo no dia 2 de janeiro e nos surpreendemos com a questão do reajuste das tarifas do transporte público. Fizemos uma sessão extraordinária, votamos um PDL (projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do aumento) e depois tivemos um embate jurídico com o Executivo e isso movimentou muito a cidade durante o recesso. Nós montamos um planejamento estratégico para nortear os trabalhos, criamos três diretrizes para a Casa, bastante complexas. Uma delas era trazer as pessoas para dentro da Câmara e disso derivamos um projeto chamado Câmara Com Vida, em que vários projetos foram trabalhados – conseguimos trazer, de janeiro a junho deste ano, 25 mil pessoas até aqui, um crescimento de mais de 50% na frequência. Outra coisa foi fazer a Câmara sair dessas paredes e ir para as cidades ter contato com as pessoas e, com a revisitação do Câmara em Movimento que já existia. Fizemos sessões em Vicente Pires, Estrutural e em Taguatinga e a primeira sessão da Câmara Temática, no Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal), em um modelo onde são realizadas sessões mesmo. A gente acredita que está no rumo, que está cumprindo o papel. A outra diretriz é a transparência ativa, que vem com o nosso Laboratório de Inovação, que está funcionando a todo o vapor. Estamos em um processo de ressignificação desta Casa. Fizemos um trabalho para modificar a dinâmica e a sistemática da verba indenizatória, para aumentar o controle e a rastreabilidade.

Essa ação foi motivada pelas suspeitas que recaem sobre a deputada distrital Sandra Faraj (SD), que é investigada por uso indevido da verba indenizatória?

Não necessariamente, mas foi reforçado. Já estava no nosso programa de trabalho. Entramos aqui com a missão de ressignificação e já existia esse plano. Logicamente que este último momento influenciou, até mesmo para proteger os deputados. Já economizamos muitos recursos com a verba dos Correios, que vamos utilizar para montar a parte de energia solar, dentro do programa Câmara Sustentável.

Sua gestão até agora ficou marcada também pelo arquivamento das representações contra os deputados investigados…

Da Sandra Faraj não. A dela seguiu e está no Conselho de Ética.

Mas os da Drácon…

Quanto aos da Drácon (Celina Leão, Bispo Renato, Raimundo Ribeiro, Julio Cesar Ribeiro e Cristiano Araújo), eu votei a favor de prosseguir, na Mesa Diretora, mas tem um detalhe: o voto do relator (do processo no Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF), que é juiz e tem todas as ferramentas para tomar a decisão, foi pelo afastamento dos deputados do mandato. Os 16 que seguiram foram contrários. Com todos os elementos para decidir, eles decidiram pela manutenção dos mandatos.

Ainda será possível que a sociedade volte a provocar a Câmara com representações contra os deputados investigados pelo mesmo motivo?

Claro. No meu caso, eu sou sempre pela investigação, desde que tenha fundamento, logicamente. Não vamos ficar aqui cassando deputado à toa. Agora, a Mesa age quando provocada. Aí arquiva ou prossegue. E eu tenho o compromisso de tomar a decisão. Não vai ter sobrestamento. Esta figura não existe, regimentalmente. E foi exatamente o que a Mesa fez nos dois casos (em relação a Sandra Faraj e aos investigados pela Drácon). A representação contra os cinco deputados foi arquivada, porque não havia nada novo no processo. Eu, inclusive, pedi por duas vezes as gravações para o Tribunal de Justiça para poder balizar os votos dos outros deputados, já que o meu estava cristalino pela investigação, e foi negado.

Essa grande quantidade de deputados investigados – seis, no total – dificulta a recuperação da imagem do Legislativo?

Muito difícil. Mas nem por isso a gente deixou de trabalhar e estão aí os resultados e o trabalho que a Câmara está fazendo pelas leis. Agora, você paga um decreto legislativo para derrubar não (a regulamentação da lei que pune a homofobia no DF)… Foi um momento de uma bancada evangélica, que foi eleita. Esse debate que está aqui está na sociedade. (O deputado federal Jair) Bolsonaro está aí na frente das pesquisas. Como é que se explica essa onda do conservadorismo? O que causa essa onda do conservadorismo? Logicamente, uma onda de liberalismo que não agradou. É uma reação da população. Agora é importante lembrar que as decisões aqui são colegiadas. Olhe para essas paredes, olhe para essa sala (a da Presidência da Câmara), cadê a mesa do presidente?

Foi retirada…

Foi retirada. Por que a Mesa é de diálogo (aponta para a mesa de reuniões), é uma gestão de diálogo, é uma gestão à vista. Agora, estamos monitorando as demandas colocadas no Câmara Movimento (aponta para os painéis na parede). Olha lá (mostra as imagens de satélite do Distrito Federal ao fundo da sala), eu escrevo lá para os deputados verem que é ali que a gente legisla, para verem que é desse tamanho a encrenca. Se você reparar, vai ver um ponto branco, aquilo é o símbolo da gestão errada, é o Estádio (Nacional de Brasília Mané Garrincha). E eu nunca fui lá, porque prometi para mim que, enquanto fosse figura pública, não iria lá. Eu fui contra. E eu falei: faça com 30 mil lugares, não faça desse tamanho. E a resposta que eu ouvi foi: ‘nesse estádio, vai ter até futebol’. Hoje, não tem nada, nem futebol. E é caríssimo. Essa sala aqui é minha sala de monitoramento. Estamos colocando todas as demandas das cidades, levantadas pelo Câmara em Movimento, para que a gente acompanhe dia a dia o que está acontecendo. Você só ressignifica pela confiança e pelo trabalho. A população precisa resgatar a confiança aqui. E aqui eu recebo todo mundo. Criei os conselhos da Presidência, com pessoas que vêm opinar sobre as leis, vêm bater papo. Quero contar com as pessoas. Aí, entrando pelo lado da política, me perguntam se eu vou ser candidato a governador. Como eu vou ser candidato a governador, para governar o que? Quero governar a cidade.

Quer?

Quero. Lógico. Todos nós queremos. Eu me preparo para isso todos os dias. Só que não estou preparado ainda. Não está na hora. Estou na fila. E essa fila anda. Agora, ninguém governa essa cidade sozinho. Nós temos que sair do modelo competitivo em que vivemos, para um modelo colaborativo, de um governo em rede. Será que todo governador é ruim de gestão, é pilantra? Para mim, o que hoje é um problema, é, na verdade, a solução: o servidor. O servidor público é a solução por que nós somos o Estado.

Mas o senhor acabou de contribuir para aprovar o projeto que aprova a criação do Instituto Hospital de Base, que vai justamente na contramão do que disse: tira o servidor do front para colocar um celetista…

Eles serão contratos por concurso, nós colocamos essa emenda.
Eu me preparo para isso todos os dias.
Só que o concurso será apenas um processo seletivo e a contratação será pela CLT, que não enseja estabilidade, por exemplo.

Mas você acha que, se o cara for bom, ele será mandado embora?
Será (administrado por) um conselho, não tem um dono. E é justo um cara ruim não ser mandado embora? Então, se tivesse certo, a população estava recebendo o serviço. Hoje, (o Hospital de Base) não é público, ele foi capturado. Seja pelas empresas que ainda comandam, seja pelos sindicatos. A disputa não é mais do público e do privado. O servidor não tem nada a ver com isso. Quero resgatar o servidor que é apaixonado pelo que faz e está infeliz por que o serviço dele não dá resultado.

O senhor fala que não está preparado para ser o governador, mas há aliados entusiastas da sua candidatura.

Eu ainda preciso muito entender de arrecadação, da Fazenda…

Ainda há tempo.

Eu não sei. Eu tenho um projeto muito grande agora, que é ressignificar esta Casa. Meu projeto é ser um bom presidente da Câmara Legislativa.

Se a eleição fosse agora, a qual cargo se candidataria?

Certamente, não seria candidato ao governo. Seria a deputado federal. Não serei candidato a deputado distrital.

O deputado distrital Reginaldo Veras (PDT) e o senhor estão com conversas com o senador Cristovam Buarque (PPS), Israel Batista (PV), Cláudio Abrantes, ainda sem partido, e não sabemos se vai para o PDT…

Nem eu sei.

As conversas envolvem a questão eleitoral, naturalmente?

A gente discute a cidade. Estamos debatendo muito a educação como fator de mudança, fator de revolução da nossa cidade, discutindo até para sugerir a governador o que já foi sugerido várias vezes, tanto que ele se afastou do Cristovam, que fizesse uma coisa totalmente voltada para a educação, porque isso é preventivo, é moderno. Você tem que fazer um governo para mudar a cidade, fazer a política para o longo prazo no curto prazo do mandato.

Essas questões todas fazem parte de um projeto político?

Fazem parte de um projeto de governar a cidade. Inclusive, a gente poderia estar governando agora, mas não estamos, porque o governador faz um governo dele, da equipe dele.

Como está sua relação com o governo hoje?

Minha relação é institucional. Eu sou o presidente da Casa. A gente ganhou essa eleição para ser harmônico, mas não subserviente, que é exatamente o que está acontecendo.

O PT poderia fazer parte de um projeto político seu?

A gente tem trabalhado muito na visão progressista e humanista, pensando em um modelo que extrapola a questão de esquerda, direita e centro, um modelo que possa ser colaborativo em rede. E, dentro disso, se não o PT, os petistas. Tem muita gente bacana e preparada, que gosta dessa cidade e é muito séria. Todas as pessoas de bem tem de se unir para governar essa cidade, independentemente de quem vai ser o governador. E o governador que entrar tem que entender esse modelo colaborativo, escutar e trabalhar com as pessoas, em um modelo de longo prazo.

Dentro desse pensamento, ainda é possível resgatar esse tipo de relacionamento com o governador Rodrigo Rollemberg?

Eu acho que tudo é possível.

Até reconstruir a aliança para uma candidatura a reeleição?

É questão de discussão partidária. Sou muito leal ao meu partido, que esteve comigo sempre em todos os momentos de decisões importantes, haja vista a eleição da Mesa. Fiz tudo com o partido.

Ainda há ressentimento pelo fato de o governador ter apoiado a candidatura de Agaciel Maia, em detrimento da sua?

Nenhuma. Agaciel senta do meu lado, é líder do governo… e a gente tem trabalhado por Brasília.

O que a gente pode esperar da sua gestão daqui para a frente?

Primeiro, a consolidação da transparência. Vamos abrir todos os dados da Câmara para que as pessoas possam ver todos os nossos números. Segundo, estamos aguardando leis muito importantes para a nossa cidade: a Luos (Lei do Uso e Ocupação do Solo); a descentralização de recursos, que estamos trabalhando internamente, para educação, saúde e assistência social. Precisamos de um modelo diferente de gestão. Nao dá para ficar do jeito que está. Eu vou para dentro do Hospital de Base, como cidadão, para ajudar essa iniciativa a dar certo, porque eu acredito nela. Essa estrutura que foi criada, apesar de ainda não ser a ideal, é uma coisa muito simbólica para a gestão que está aí. Já estamos no quarto secretário (de Saúde); no governo Agnelo, foram dois. A política partidária é o câncer da gestão pública. Nós precisamos montar modelos mais perenes, planos de longo prazo, de modo que o gestor que entra não possa interferir demais; que ele possa aumentar a velocidade de avanço, mas não retroceder.