Delação premiada: Cabral denuncia aliados, procuradores e padres da Igreja Católica

Cabral denuncia aliados, procuradores e religiosos; entenda

Em delação firmada com a PF e homologada por Fachin, ex-governador admitiu ter cometido crimes; veja o que ele revelou

Nesta quinta-feira, 6, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou a delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), firmado com a Polícia Federal (PF) em novembro de 2019. No acordo, o ex-governador se compromete a devolver aos cofres públicos R$ 380 milhões recebidos em propina. A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia se manifestado contra a validação do acordo, que envolve autoridades com foro privilegiado. O MPF do Rio também tem se mostrado contrário a um acordo de colaboração premiada com Cabral.

Preso desde novembro de 2016, Cabral admitiu pela primeira vez, em fevereiro de 2019, ter recebido propina durante seu governo e desde então tem confessado crimes cometidos em depoimentos à Justiça.”Esse foi o meu erro de postura, de apego ao dinheiro, ao poder. Isso é um vício”, disse em depoimento na 7ª Vara Federal Criminal.

Desde então, o ex-governador tem contado à Justiça detalhes dos esquemas de propinas que rondaram seu governo e citou nomes como o do seu sucessor no governo do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), negociações de caixa dois para campanhas do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e envolvimento de autoridades do judiciário e do Ministério Público carioca em tratativas indevidas. O ex-governador revelou recebimento de propina de empresários, empreiteiras e empresas que prestavam serviços ao governo em variadas áreas. Cabral também afirmou que houve compra de votos para a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Veja abaixo o que já foi revelado pelo ex-governador, em depoimentos, sobre como funcionava o esquema de propinas durantes suas gestões:

Propina de empreiteiras e empresários

No dia 21 de fevereiro, ao admitir pela primeira vez ter cometido crimes, Cabral revelou ter recebido propina de empreiteiras, como Queiroz Galvão e Odebrecht, e de empresários, como Arthur Menezes Soares Filho, conhecido como “Rei Arthur”, dono de empresas que mantiveram contratos milionários com o governo do Estado durante as gestões de Cabral (2007-2010 e 2011-2014).

Segundo o ex-governador, ele definia a porcentagem que queria receber, conforme a obra, e avisava Regis Fichtner, chefe da Casa Civil durante suas gestões e apontado pelas investigações como elemento chave do esquema. Richtner está preso desde 15 de fevereiro. Segundo Cabral, cabia a Fichtner, que classificou como “primeiro-ministro” de seu governo, negociar a propina com as empresas que firmavam contratos com o governo.

Em nota à TV Globo, o escritório de advocacia de Regis Fichtner afirmou que, se o ex-governador fez tais declarações, elas “só podem estar servindo ao propósito de obtenção de benefícios ilegítimos de alguém que já foi condenado em inúmeros processos” e que “a defesa só vai se manifestar quando tiver acesso ao depoimento de Cabral”.

Saúde e religiosos

Segundo Cabral, havia ‘uma tradição’ em cobrar propina de prestadores de serviços do Estado. No caso dos contratos da Saúde, ele disse que ficava com 3%, e o ex-secretário da Pasta, Sérgio Côrtes, com 2%.

Em outro depoimento, o ex-governador disse que o esquema na Saúde também envolvia religiosos. Ele citou os contratos do Estado com a Organização Social Pró-Saúde, administrada por padres da Igreja Católica e pelo cardeal D. Orani João Tempesta, arcebispo da Arquidiocese do Rio.

Em nota, a Arquidiocese do Rio respondeu que a Igreja Católica no Rio de Janeiro e seu arcebispo “têm o único interesse que organizações sociais cumpram seus objetivos, na forma da lei, em vista do bem comum”.

Delatores e ‘homem da mala’

O ex-governador também confirmou declarações dadas por delatores. Ele assumiu ser dono do dinheiro lavado pelos doleiros Renato e Marcelo Chebar. “Participei da propina, sim. O dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro, sim”, declarou. Ele também classificou como verdadeiras “99%” das declarações feitas à Justiça por Carlos Miranda, apontado como seu “homem da mala” e operador do esquema de propinas.

Miranda revelou que fez várias operações de recebimento e distribuição de propina, em dinheiro vivo, por ordem do então governador.

Eduardo Paes

Segundo Cabral, houve um esquema de propina na primeira fase das obras no Maracanã, para os Jogos Panamericanos, quando o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) era seu secretário de Esportes e Lazer. Cabral disse que Paes não recebeu propina, mas afirmou que arrecadou dinheiro para a campanha do ex-prefeito do Rio, por meio de caixa 2.

Segundo ele, o empresário “Rei Arthur” deu à campanha de Paes entre R$ 3 e R$ 4 milhões e, após reclamar de não estar recebendo contratos em troca da “doação”, ganhou a obra do Centro de Operação do Rio.

Cabral disse que fez questão que o ex-secretário municipal e atual deputado federal Pedro Paulo (MDB) estivesse junto dele nessas negociações de caixa 2 da campanha de Eduardo Paes. O ex-governador, porém, isentou de responsabilidade sua mulher, Adriana Ancelmo, por negociações criminosas feitas por meio do escritório de advocacia dela.

Procurada à época, a defesa de Eduardo Paes não se manifestou.