Marco Aurélio observou que ministro sequer consegue sair em lugares públicos por ser alvo de grande hostilidade
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, afirmou que “não gostaria de estar na pele” do ex-colega de Corte Alexandre de Moraes, por considerar que ele se tornou uma figura impopular diante da sociedade em razão de decisões judiciais “incompreensíveis” e do “desgaste” causado à imagem do tribunal. Mello destacou ainda que o magistrado não consegue circular em locais públicos sem estar acompanhado por um forte esquema de segurança. A fala ocorreu em entrevista à coluna de Roseann Kennedy, do jornal O Estado de S. Paulo.
– Ele não consegue sair, estar num lugar público, a não ser com contingente de seguranças. Quando isso se verifica, algo está errado. E cumpre àquele que é alvo da hostilização da sociedade observar os atos praticados se evoluir. E vou repetir: resulta no prejuízo da instituição e, mais à frente, a história cobrará esses atos praticados. Ele [Moraes] proibiu, por exemplo, diálogos. Mordaça, censura prévia, em pleno século que estamos vivendo. É incompreensível – avaliou.
Para o ex-ministro, o STF vive um momento de “extravagância” que deve ser corrigido. Ele também insta o tribunal a voltar a julgar casos relevantes no plenário, não na Primeira Turma, que estaria tomada de um “espírito de corpo” que não deveria haver.
– Eu vejo como uma extravagância que vem se verificando no âmbito da Corte maior do país que é o Supremo. E é preciso que volte a Corte a atuar como colegiado e, preferencialmente, no plenário, com as 11 cadeiras ocupadas. E que cada qual se pronuncie com absoluta independência. Isso é o que se espera. (…) Quando formei no colegiado, me manifestava espontaneamente, segundo meu convencimento, não me importando em somar voto. Não há campo para solidariedade no órgão julgador. Cada integrante deve atuar com absoluta independência. Evidentemente acompanhando o colega no que se convencer do acerto da proposição desse colega – defendeu.
Na avaliação de Marco Aurélio, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi “humilhado” ao ter a tornozeleira eletrônica imposta como medida cautelar, porque trata-se de uma “apenação” que afeta a “dignidade da pessoa”. Em sua avaliação, os recentes acontecimentos só fazem potencializar a insatisfação do governo estadunidense.
– Agora mesmo se potencializou muito a fala do presidente [Donald] Trump. Uma fala como governante, que não visou proteger a família Bolsonaro. A família Bolsonaro não tem junto à Presidência dos Estados Unidos esse prestígio todo a ponto de o próprio governo interferir ou tentar interferir numa atuação do país irmão. Isso aí é algo ingênuo e precisamos parar para observar qual é a origem em si dessa atuação do presidente Trump – assinalou.
Para o ministro aposentado, o STF tem tomado decisões que nem sequer o regime militar tomou.
– Uma das reclamações dos apoiadores de Bolsonaro é o fato de ele não poder dar entrevista, usar as redes e porque há extensão dessas medidas cautelares para terceiros, deixando dúvidas até se é permitido usar entrevistas antigas de Bolsonaro. Eu só espero que essa postura não acabe intimidando a grande imprensa. E gere um cerceio e gere consequências inimagináveis. Não se coaduna com o estado democrático de direito o que vem ocorrendo. Nós não tivemos isso sequer quando vivenciamos o regime de exceção, que foi o regime militar – adicionou.
O ex-ministro espera que “haja uma evolução, e que o Supremo atue, não como órgão individual como vem atuando na voz do ministro Alexandre de Moraes, mas como órgão coletivo, e percebendo a repercussão dos atos que pratica”.