BBC pergunta 6 vezes por que Lula sequer ligou para Trump

Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Frame de vídeo / YouTube / BBC
Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Frame de vídeo / YouTube / BBC

“Eles não querem conversar”, tergiversou o presidente

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi indagado seis vezes pela equipe da BBC por qual razão o petista nem ao menos tentou ligar para o seu homólogo estadunidense, Donald Trump, para negociar a questão da tarifa de 50%. Em todas elas, o petista se esquivou, limitando-se a responder: “Eles não querem conversar”.

A entrevista foi realizada na última quarta-feira (17), no Palácio do Planalto. Nela, o presidente afirmou que as motivações citadas pelo republicano para taxar o Brasil são “eminentemente políticas”, não comerciais.

– Trump tomou a atitude em função de um processo político do Bolsonaro, o que eu lamento profundamente… que um presidente de um outro país não leve em conta a necessidade de respeitar a soberania do outro país, inclusive de respeitar o Poder Judiciário e a Suprema Corte de um outro país. Nós ainda vamos ter que esperar muito para ver o que vai acontecer. Eu tenho a convicção de que algumas coisas estão prejudicando também os Estados Unidos, porque a inflação vai crescer, porque o povo americano vai pagar pelos equívocos que o presidente Trump está tendo na relação com o Brasil – argumentou.

Indagado pela repórter Ione Wells sobre qual seria a melhor solução, Lula afirmou que “para qualquer conflito, a melhor alternativa é você se sentar em torno de uma mesa e negociar”, mas pontuou que a “soberania” nacional e a “democracia” não estão em jogo.

SÉRIE DE QUESTIONAMENTOS
Na sequência, a BBC aumentou a pressão sobre o petista, perguntando o porquê de o presidente não ter tentado ligar para o chefe da Casa Branca, se vem afirmando estar aberto ao diálogo.

– Porque eles não querem conversar – respondeu.

– Mas Trump disse que o senhor poderia ligar a qualquer momento… – observou a jornalista.

– Eles não querem conversar. Eu estou dizendo há quatro meses que estamos dispostos a conversar. É importante lembrar que, quando o presidente Trump comunicou a taxação ao Brasil, ele não comunicou da forma civilizada com a qual dois chefes de Estado se comunicam – reiterou Lula.

– Mas por que não tentar pegar o telefone e ligar para ele? – insistiu o veículo de imprensa.

– Ele publicou no portal dele [as tarifas], e eu fiquei sabendo pelos jornais aqui no Brasil. Eu tenho o meu ministro da Fazenda [Fernando Haddad], eu tenho o meu ministro da Indústria e Comércio, que é meu vice-presidente [Geraldo Alckmin]. Eu tenho o meu ministro das Relações Exteriores [Mauro Vieira] tentando conversar com os negociadores americanos, e ninguém consegue conversar, porque eles não querem conversar. Eles não querem multilateralismo, eles querem unilateralismo. Quando eles quiserem conversar, o Brasil está pronto. E com o Trump, na hora que ele quiser, eu estou disposto a conversar – acrescentou Lula.

– O senhor tentou ligar para Trump e ele apenas não atendeu, ou o senhor não tentou ligar? – diferenciou a repórter.

– Eu não tentei fazer chamada, porque ele nunca quis conversar – salientou o entrevistado.

– Então o senhor nunca tentou…

– Nunca, nunca quis conversar. Uma coisa é falar com a imprensa. Outra coisa é dizer o seguinte: ninguém tentou conversar com o Brasil. Estou dizendo a você que a informação da taxação eu recebi pela imprensa. Nem o meu Ministério das Relações Exteriores recebeu. Nem o meu. Foi uma coisa taxada simplesmente de uma pessoa que não quer conversar, não quer dialogar. Não é comigo, não. É com ninguém. E nós tentamos entrar em contato muitas vezes. Tivemos várias reuniões. Aliás, tivemos muitas reuniões com os EUA e no dia 16 de maio mandamos uma carta cobrando uma resposta das negociações que a gente tinha feito – assinalou.

– O senhor não tentou ligar, porque Trump não tentou ligar antes de impor as tarifas, correto? – interpelou uma última vez.

– A razão que nós não ligamos é porque os americanos não querem conversar. Eles acham que eles podem tomar decisões, publicar no jornal e a responsabilidade fica do nosso lado. Não. O que nós estamos trabalhando é o seguinte: nós entramos num processo na OMC, nós estamos entrando com o processo na seção 301 [respondendo à investigação do Departamento de Comércio dos EUA) e nós vamos fazer a reciprocidade, no momento em que nós entendemos que é correto fazer a reciprocidade. Quem sabe, depois de tudo isso, haja a possibilidade de sentar numa mesa e negociar?

RELACIONAMENTO COM TRUMP
Por fim, Ione Wells buscou mudar a abordagem e perguntou como ele descreveria seu relacionamento com Donald Trump.

– Olha, não tem relação. Eu tive muita relação com todos os presidentes americanos. Eu tive muita relação com o [George W.] Bush, eu tive muita relação com o [Joe] Biden, eu tive muita relação com o [Barack] Obama, tive relações com ex-presidentes americanos. Tenho relação com o Reino Unido, todos os primeiros-ministros, tenho com toda a União Europeia, Rússia, Ucrânia, tenho com a Venezuela, Bolívia, todos os países do mundo. O Brasil não tem contencioso com nenhum país do mundo. O Brasil não tem contencioso e o Brasil não quer contencioso – completou.

Apesar do que afirma o presidente, em sua gestão, o Brasil tem acumulado atritos com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e ausência de diálogo com o presidente do país vizinho, o argentino Javier Milei.

Na sequência da entrevista, a BBC ponderou que muitas nações e líderes que discordam de Trump politicamente construíram relacionamentos com ele, e questionou se Lula se arrepende de “não ter tido essas relações diante dessa situação agora do tarifaço”.

– O problema da soberania americana é um problema deles. Eu não posso ficar dando palpite na relação do presidente Trump com outros presidentes de países. O que me preocupa é a relação com o Brasil. O Brasil tem 201 anos de relações com os Estados Unidos. O que me estranha é que o presidente Trump, ao invés de, de forma civilizada, conversar com o Brasil, ele resolveu inventar uma história política. Ele resolveu inventar a inverdade do déficit do comercial. (…) Eu não tenho nenhuma relação com o Trump, porque quando o Trump foi presidente da outra vez, eu não era presidente da República. Agora a relação dele é com o Bolsonaro, não é com o Brasil – declarou Lula.