“Violência que machuca emocional e psicologicamente”, disse a ministra
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se pronunciou pela primeira vez sobre os dois anos de experiências traumáticas que viveu durante sua convivência com Silvio Almeida, ex-ministro dos Direitos Humanos. Em entrevista à revista Veja, ela conta que os episódios de assédio tiveram início ainda durante a transição de governo, em 2022, entretanto, de forma velada. A situação teria se escalonado a ponto de ela ser tocada intimamente sem consentimento no meio de uma reunião de governo.
– É muito difícil falar sobre isso… Ninguém se sente à vontade pra relatar uma violência. E, nesse caso, a gente está falando de um conjunto de atos inadequados e violentos que aconteceram sem consentimento e reciprocidade e que, infelizmente, mulheres do mundo inteiro vivenciam diariamente. Mas é importante deixar claro que o que houve foi um crime de importunação sexual. Precisamos reforçar isso para evitar que mulheres continuem sendo vítimas desse tipo de agressão – declarou Anielle.
Ao ser questionada sobre o que aconteceu exatamente nos episódios de assédio, a ministra afirmou que destrinchou todo os fatos em depoimento para as autoridades, mas que publicamente preferia não entrar em detalhes para não repetir a violência.
– Traumas não são entretenimento – adicionou.
Entretanto, Anielle relatou como se sentiu ao longo das investidas de Almeida, explicando que as “atitudes inconvenientes” começaram já em dezembro de 2022.
– Por um tempo, quis acreditar que estava enganada, que não era real, até entender e cair a ficha sobre o que estava acontecendo. Fiquei sem dormir várias noites. Eu só queria trabalhar, focar na missão, no propósito e em toda a responsabilidade que se tem quando se assume um cargo como o meu. Mas não conseguia. (…) Fico me perguntando o tempo todo por que não reagi na hora, por que não denunciei imediatamente, por que fiquei paralisada. Me culpei muito pela falta de reação imediata, e essas dúvidas ficaram me assombrando – afirma.
Anielle se descreve como uma “pessoa que sempre teve muita fé” e que acreditava que, “em algum momento aquilo acabaria”. Contudo, o toque íntimo durante a reunião entre ministros deu a ela o impulso necessário para agir. Ela afirma ter chamado Almeida em particular, expressado seu incômodo, e ouvido da parte dele um pedido de desculpas. Entretanto, ao se despedirem, ele teria sussurrado em seu ouvido palavras chulas.
– Na rua, em casa, no trabalho, conviver com assédio é violento demais para qualquer mulher. É um tipo de violência que machuca a gente emocional e psicologicamente. São marcas que ficam por muitos anos. Mudam a forma como a gente anda na rua, como a gente fala, se movimenta – refletiu.
A irmã da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) disse ainda que, quando o caso veio à tona na mídia, ela se sentiu ainda mais “vulnerável”.
– Fiquei em silêncio, porque tudo aquilo era muito violento. Estava atravessada pela forma como as notícias saíram e pelo cerco dos jornalistas. Sei que vivemos nesse mundo de internet, em que tudo é muito rápido e todo mundo quer saber de tudo, mas nenhuma vítima, de qualquer tipo de violência que seja, tem a obrigação de se expor, falar quando as pessoas querem que ela fale. As vítimas têm de falar na hora em que elas se sentirem confortáveis – pontuou.
Questionada sobre a foto em que a primeira-dama Janja da Silva aparece beijando a sua testa após as revelações envolvendo os casos de assédio, Anielle disse que a esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é uma “grande companheira de luta”, “amiga e parceira”.
Por fim, ela incentivou as vítimas de violência de gênero e raça a criarem “coragem para romper o ciclo do silêncio, buscando ajuda ou alguém de confiança que possa nos apoiar para atravessar a situação” e disse esperar que sua experiência ajude a fortalecer mulheres que estejam passando por situações similares à que viveu.