Moro se enxerga como um ‘Intocável’ em livro autobiográfico

Ex-juiz compara sua ação na Lava Jato à de Eliot Ness e defende a decisão de sair da magistratura para entrar no governo

  • Se fosse possível contar a história de Sérgio Moro por meio de uma única cena de seu livro ‘Contra o Sistema da Corrupção’ (Editora Sextante, 269 pág.), a escolha recairia na que o ex-magistrado se transporta para o filme ‘Os Intocáveis’, de Brian de Palma. Ele se vê na pele de Eliot Ness, interpretado por Kevin Costner, quando o agente usa um machado para arrombar um depósito de bebidas ilegais de Al Capone. Seu parceiro, interpretado por Sean Connery, diz: “Se atravessar essa porta, não terá como voltar atrás”.

Moro se vê como uma espécie de intocável, alguém que arromba portas em nome de um bem maior: o combate à corrupção. Seu “depósito” foi a audiência em outubro de 2014, na qual interrogou o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. “A audiência foi devastadora. A Lava Jato revelava em todos os seus detalhes o sistema de corrupção que governava o Brasil.” Ao fim, disse aos funcionários: “Nada será como antes”.

Moro é assim: se vê na pele de Ness, enquanto os críticos enxergam nele um Simão Bacamarte ou um Girolamo Savonarola, personagens da ficção e da vida real que tiveram fins não muito auspiciosos. Em seu livro, defende sua atuação como juiz e como ministro da Justiça das críticas de parcialidade e de conivência com o governo de Jair Bolsonaro, o principal adversário de seu mais famoso réu: Luiz Inácio Lula da Silva.

Também ataca o petista e o presidente, seus concorrentes em 2022. “Vejo atualmente o governo Bolsonaro muito parecido com o governo Lula, especialmente na parte ética.” Ele critica o Supremo Tribunal Federal, que o considerou parcial ao julgar Lula. Por fim, quer mostrar que não é uma variante de Bolsonaro e se diz comprometido com a democracia.

O livro não se confunde com as autobiografias de personalidades ou influencers. É obra que busca influir no debate público, como ‘Minha Vida’, de Leon Trotsky, ainda que, estética e politicamente, esteja distante do revolucionário russo. Trotsky não escondia de que lado da história estava. Moro quer fazer o leitor crer que não fazia considerações políticas ao tomar suas decisões.

Mas o próprio autor diz: “Este livro é a minha história focada no combate ao sistema da corrupção. Um grupo de policiais, procuradores da República, advogados e juízes, com grande apoio da população e da opinião pública, conseguiu vitórias importantes contra a grande corrupção”. Moro parte da premissa de que o juiz é parte de um grupo com procuradores e delegados. Foi esse voluntarismo que fez o STF considerá-lo parcial com Lula.

Moro aborda todas as polêmicas. Conta como manobrou para Teori Zavascki – que morreu em 2017 – voltar atrás na decisão de soltar os réus da Lava Jato em 2014. Diz que pediu informações a Teori e o alertou da presença de um traficante de drogas entre os presos. Os críticos diriam que ficou a um passo de atuar como o Ministério Público, a quem cabe recorrer de decisões favoráveis à defesa.