‘O diálogo entre Igreja e Estado é necessário na solução dos problemas’

Assessor especial para Assuntos Religiosos conta como o GDF se aproximou das igrejas no combate à pandemia e faz balanço das ações voltadas ao setor

LÚCIO FLÁVIO, DA AGÊNCIA BRASÍLIA | EDIÇÃO: CHICO NETO

Quando assumiu a responsabilidade de coordenar os assuntos religiosos na gestão Ibaneis Rocha – uma inovação –, o advogado Kildare Meira, especialista em direito tributário, tinha um desafio pela frente: o de estreitar a relação do GDF com entidades religiosas e organizações sociais. Em pouco mais de dois anos, a meta foi alcançada com sucesso.

“É uma parceria que vai além de uma relação meramente institucional”, define o assessor especial da Casa Civil para Assuntos Religiosos. “Passa para uma relação de confiança. Temos trabalhado com o diálogo; o grande trabalho nosso é de articulação.”

Em entrevista à Agência Brasília, ele traça um panorama das ações do GDF voltadas à regularização dos terrenos de igrejas e associações sociais. “Quando assumimos o governo, vimos a situação da questão fundiária desses espaços no DF, tanto que já foram 190 escrituras regularizadas”, relata. Meira lembra ainda a proximidade e o respeito do governo com o trabalho social desenvolvido por diversas denominações religiosas e destaca a parceria com as entidades no combate à pandemia do novo coronavírus.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Foto: Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasília

Que balanço o senhor faz da atuação da Coordenação de Assuntos Religiosos nesses mais de dois anos de governo?

O balanço é muito positivo, tendo em vista a necessidade que existia da existência desse espaço institucional de diálogo entre governo e organizações religiosas, uma relação que é de ganhar e ganhar e onde quem mais ganha é a sociedade. É uma relação que veio para ficar e foi aperfeiçoada em um momento singular de temeridade, com a questão da pandemia, quando trabalhamos para tentar minimizar seus efeitos. Qualquer instituição, organização social ou religiosa do DF que surgir daqui para frente sempre vai pensar sobre isso: o diálogo entre Igreja e Estado é necessário para ajudar na solução dos problemas.

Quando assumiu essa responsabilidade, o senhor disse que um dos desafios era o de recuperar a credibilidade do governo junto às entidades religiosas. Esse canal de comunicação com o GDF foi restabelecido?

Com certeza. Hoje, além da Secretaria da Família, há diálogo com a Casa Civil. As igrejas, durante essa pandemia, têm nos procurado para tudo, tanto para se colocar à disposição do governo no sentido de ajudar com ações sociais quanto no cumprimento das regras sobre o protocolo de segurança ou para tirar dúvidas. É uma parceria que vai além de uma relação meramente institucional. Passa para uma relação de confiança. Temos trabalhado com o diálogo; o grande trabalho nosso é de articulação. Não somos uma secretaria com orçamento. Nossa função é fazer a boa política, unir os pontos, colocar a sociedade para dialogar com a Câmara Legislativa, com as secretarias devidas, e depois ficar em cima cobrando.

Na sua opinião, qual foi o ingrediente principal no fortalecimento dessa relação entre as igrejas e organizações sociais nesta gestão?

“O nosso trabalho tem sido de dialogar e informar o segmento religioso sobre como acessar a máquina do Estado. Nesse sentido, a gente conseguiu aproximar o governo das organizações religiosas”

O diálogo. A gente tem participado de reuniões de diversos clérigos, de diversas igrejas para tirar dúvidas, porque muito do nosso trabalho tem a ver com a informação. Quase toda semana, a gente está com um representante de uma religião diferente, tirando dúvidas de processos, seja na questão fundiária, seja na questão de segurança pública, quando acontece algum dano à igreja, ou mesmo no que diz respeito à situação de intolerância. Agora mesmo, com a pandemia e a aproximação do período junino, representantes de várias igrejas têm nos procurado para tirar dúvidas sobre os protocolos de segurança, informações sobre a legislação e restrições vigentes. Então, o estreitamento da relação do Estado com essas entidades religiosas e sociais tem se dado principalmente no campo da informação. As igrejas sabem a quem procurar no GDF, quais são os atores envolvidos no governo sobre suas demandas. Recebo telefonemas de todas as lideranças religiosas de todo DF, meu telefone não para. O nosso trabalho tem sido de dialogar e informar o segmento religioso sobre como acessar a máquina do Estado. Nesse sentido, a gente conseguiu aproximar o governo das organizações religiosas.

Esse diálogo e a aproximação com o setor foram importantes nesse momento de pandemia?

Muito. Tanto é que, nesse período de pandemia, houve tensões no Brasil todo, inclusive com ações no STF [Supremo Tribunal Federal] que julgavam a legitimidade dos decretos locais de outros estados que tratavam sobre o funcionamento ou não de templos. Aqui no DF não tivemos esse problema. Quando foi necessário, nós fechamos os templos e os limitamos às celebrações on-line. Quando possível, a gente liberou. Qual foi a diferença em relação aos decretos que foram feitos aqui e em outros lugares da Federação? Nenhuma. O diferencial foi o diálogo. Nada foi feito de cima para baixo, tudo foi feito entendendo a importância das igrejas, mas também dizendo para eles qual era a dificuldade que estávamos vivendo nesse momento. Diria que a grande prova da credibilidade que conquistamos foi construída nessa relação entre Igreja e Estado.

Na prática, como tem sido a atuação da Coordenação de Assuntos Religiosos durante a pandemia?

“Existe um número considerável de alunos na rede pública que têm dificuldade de acesso à internet, ao digital. Aproveitamos a capilaridade das igrejas para fazer a distribuição desses aparelhos nas comunidades por meio de três paróquias de Ceilândia Norte”

Não dá para esquecer que, nesse momento de pandemia, a fome e a miséria têm aumentado muito. As igrejas se importam com esse drama, estão preocupadas com os fiéis, com a vida. Durante esse período, fizemos um trabalho de mão dupla. As igrejas ajudaram o GDF a informar a comunidade sobre os protocolos de segurança, uso de máscara, álcool gel, a importância do distanciamento, e o GDF procura as igrejas em busca de suas ações sociais, fazendo a ponte com outros órgãos do GDF. No Natal de 2020, por exemplo, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, dos Mórmons, doou à Secretaria de Desenvolvimento Social [Sedes] cinco mil cestas básicas – uma doação que nasceu dessa articulação feita com a gente.
Outro exemplo recente foi a intermediação na distribuição de computadores recuperados para a comunidade por meio de um programa da Secretaria de Ciência e Tecnologia [Secti]. Por conta da pandemia, fomos obrigados a viver de forma mais intensa com o mundo virtual. Existe um número considerável de alunos na rede pública que têm dificuldade de acesso à internet, ao digital. Aproveitamos a capilaridade das igrejas para fazer a distribuição desses aparelhos nas comunidades por meio de três paróquias de Ceilândia Norte.
Houve uma sensibilidade por parte do governo também. Atendendo um pedido do setor, [em 2020] o GDF suspendeu, por meio da Terracap, de abril até o final do ano passado, a cobrança das parcelas de financiamentos das igrejas que compraram dentro das condições apresentadas pela Lei Complementar 806/2009.

Como está a questão da regularização de terrenos das igrejas?

“A gestão Ibaneis já regularizou mais do que o dobro de todos os outros governos juntos, ou seja, 190 escrituras”

A pandemia parou o país, mas o GDF não ficou paralisado, e temos trabalhado para destravar o processo de regularização fundiária das organizações religiosas. É um assunto que avançou muito, sobretudo porque conseguimos novos instrumentos legais para destravar a questão fundiária com relação a esses espaços. Depois do programa Igreja Legal, uma parceria com a Câmara Legislativa do DF, que foi muito efetiva e rápida, aprovou a Lei Complementar 985/2021, texto que já foi sancionado pelo governador e modificou o prazo do marco temporário das entidades que teriam direito à regularização fundiária.
Os governos anteriores tinham fixado a regulamentação fundiária desses espaços, por meio da LC 806/2009, até 2006. De lá para cá, não foi feita nenhuma política pública para impedir o crescimento das ocupações irregulares. Quando assumimos o governo, vimos a situação. Tanto é que a gestão Ibaneis já regularizou mais do que o dobro de todos os outros governos juntos, ou seja, 190 escrituras. Então, usando o mesmo marco regulatório dos condomínios, a Lei Complementar 985/2021 estabeleceu um novo marco temporário de regulação, estendendo a regulamentação fundiária para espaços construídos no DF até 2016.
O outro ponto importante é que, com a Lei Complementar 985/2021, a gente permite transformar a correção monetária, que antes estava no IGP-M [índice também utilizado para reajuste anual dos contratos de  aluguel], lá nas alturas por causa da inflação, [trocando] pelo IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo], facilitando o processo de regularização fundiária dessas entidades.