Com aproximação do Natal, barracos se amontoam pelo DF

Jéssica Antunes
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Barracas de lona e madeirite se multiplicam pelo Distrito Federal. Em aglomerações improvisadas, famílias inteiras se reúnem ao relento, sob o sol da manhã e a chuva do fim do dia. É a proximidade das festas de fim de ano que provoca uma superlotação de pessoas em situação de rua, que, na esperança de arrecadar doações de brasilienses imbuídos do espírito natalino, deixam suas residências para padecer em troca de roupas e alimentos. Com o serviço de abordagem do governo suspenso, a situação é crítica.

Embaixo de um viaduto por onde passa o metrô em Ceilândia, 15 famílias dividem um terreno de cerca de 500 metros, onde estenderam lonas em forma de barracas, espalham roupas pelo chão e fazem comida com carvão em latas de tinta. Nenhuma delas vive de fato ali e todas esperam pelas doações natalinas. Mãe de nove filhos, a baiana Cintia Souza, 48 anos, chegou há uma semana de Planaltina de Goiás

No município a 70 quilômetros de distância da moradia provisória, ela vive em um barraco de madeira e os calos nas mãos acusam trabalho na roça. “Nessa época, com chuva, não tem como trabalhar. Aqui pelo menos a gente ganha alguma coisa. A gente padece, mas lá a fome pega. Para quem tem casa, carro, comida, é fácil, mas é complicado não ter uma farinha para dar para menino comer”, desabafa.

Saiba mais

  • Há 213 vagas em três casas para acolhimento de públicos distintos: mulheres adultas desacompanhadas, homens idosos desacompanhados, homens adultos desacompanhados e famílias. Outras cinco unidades recebem 220 adultas com filhos, e adultos desacompanhados.
  • Quando suspensa, a atenção a moradores de rua ficou por conta dos Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros POP) e dos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Há assessoria jurídica, psicológica e socioassistencial, banheiros, área de descanso e para lavar roupas, café da manhã, almoço e lanche na parte da tarde.

Aos “40 e poucos anos”, Maria Aparecida mora em Sobradinho, onde vigia e lava carros, mas passa o Natal nas ruas há anos “para conseguir coisa para levar para casa”. Com 24 pessoas da família dividindo três construções improvisadas à beira de uma avenida há mais de um mês, ela garante que vale a pena. “Não somos moradores de rua, mas o povo fica gente boa nessa época do ano e nos ajuda. Lá para o dia 27 de dezembro vamos embora”, diz. No ano passado, eles levaram para casa uma boa quantidade de roupas e mantimentos.

Aumento

Segundo a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh), cerca de 3 mil pessoas moram em espaços públicos na capital, mas o número é ampliado no fim do ano, quando famílias da Região Metropolitana e de cidades próximas, especialmente de Goiás, Minas Gerais e Bahia, migram em busca de doações.

Abordagem do governo está suspensa

A situação está sem controle. O Serviço de Acolhimento foi suspenso em julho, quando começou uma batalha judicial. Em julho de 2014, entrou em vigor a Lei 13.019, que definiu o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. A norma exigiu chamamento público para firmar parceria com essas organizações.

Em novembro do ano passado, a Casa Santo André, que mantinha convênio com o governo por contrato firmado sem licitação desde 2013, questionou na Justiça os critérios de seleção de outra instituição e o andamento do processo foi suspenso. Um ano depois, uma nova decisão permitiu a continuidade.

O Termo de Colaboração do Serviço Especializado em Abordagem Social foi assinado no dia 5 de dezembro. Agora, o Instituto Ipês seleciona os profissionais que ainda devem passar por capacitação para começar a atuar, ainda sem data.

Até lá, o governo promete um atendimento emergencial pela singularidade da época. A previsão é de repasses de R$ 50 milhões em 60 meses, com o atendimento de 3 mil pessoas por mês, ao custo mensal de R$ 280 por vaga. Para 2018, a previsão é de R$ 10 milhões.

Felipe Areda, diretor de proteção especial da Sedestmidh, classifica a época do ano como “fase crítica”: “Estamos correndo para tentar resolver o mais rápido possível. Na próxima semana, vamos entrar com equipes emergenciais”. Depois, a expectativa é de haver 30 equipes em todo o DF.

PONTO DE VISTA

Para o especialista em segurança pública Nelson Gonçalves , o crescimento do número de moradores de rua é questão de segurança pública em sentido macro porque, ainda que não cometam crimes, as pessoas em torno podem ter restrições, o que gera sensação de insegurança. “É muito comum, nessa época, o aumento dessa população de rua porque há a percepção de que as pessoas estão mais predispostas a doar mais, dar presentes, ajudar as pessoas. Esses indivíduos, aproveitadores ou não, vêm tentar a sorte”, diz.

Fonte : Jornal de Brasília