Cascol admite cartel e terá que vender postos no DF

    Cascol admite cartel e terá que vender postos no DF

    Em acordo inédito homologado pelo Cade, a maior revendedora de combustível do DF terá que pagar multa de R$ 148 milhões e se desfazer de parte dos estabelecimentos. Com isso, chega ao fim a intervenção na rede e os proprietários retomam o controle.
    Por HELENA MADER-Correio Braziliense/Carlos Vieira/CB/D.A Press – 06/04/2017 – 05:48:13

    Os postos da Rede Cascol que serão vendidos são mantidos em sigilo, mas devem contemplar todo o território do Distrito Federal: desconcentração do mercado na capital do país

     

    Por unanimidade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) homologou ontem um acordo com a Rede Cascol, a maior revendedora de combustível do Distrito Federal. Ao assinar o termo de compromisso, a empresa reconheceu o que todo consumidor brasiliense sabia: a rede comandou um cartel para controlar o preço da gasolina na capital do país durante décadas. A Cascol confessou as irregularidades e concordou em pagar multas que somam quase R$ 150 milhões. Com isso, a intervenção na empresa, imposta há quase um ano, chega ao fim e os proprietários dos postos poderão retomar a gestão do negócio. A principal condição para o acerto é que a Cascol venda parte dos postos, para que haja uma desconcentração do mercado de combustível.

     

    O acordo é confidencial, mas a escolha dos estabelecimentos a serem negociados é definida pelo Cade. A assinatura do termo de compromisso prevê ainda a delação de outros nomes envolvidos no esquema. As investigações relativas a outras redes continuam, mas também estão sob sigilo. O valor total cobrado pelo Cade é de R$ 90,6 milhões, dos quais R$ 84 milhões terão que ser pagos pela empresa.

     

    O restante será cobrado de quatro sócios da Cascol. Laudenor de Souza Limeira, Luiz Imbroisi, Elson Cascão e Antônio Matias de Sousa vão pagar, cada um, R$ 1,6 milhão. Além de depositar esse montante no Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, a rede pagará uma multa de R$ 58,3 milhões ao Ministério Público do Distrito Federal, que comandou a Operação Dubai e atuou na apuração do cartel, ao lado do Cade.

     

    A multa exigida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica foi calculada com base no faturamento da Rede Cascol em 2015, com exceção do lucro dos postos que deverão ser vendidos posteriormente. Os conselheiros aplicaram um percentual de 15% sobre o faturamento daquele ano, mas decidiram dar um desconto de 50% do valor total, por conta da colaboração da empresa nas investigações. Levando em conta essas cifras, é possível inferir que o faturamento da Cascol, sem levar em conta o dos postos que serão vendidos, superou R$ 1,2 bilhão em 2015.

     

    Os benefícios da Operação Dubai no mercado de combustíveis são inquestionáveis. Hoje, os brasilienses pesquisam preço em diferentes estabelecimentos, já que há grande diferença do total cobrado. O valor das bombas caiu mais de 10% no período. Em janeiro de 2016, quando foi decretada a intervenção na Rede Cascol, o preço médio da gasolina no DF era de R$ 3,91. No último levantamento realizado pela Agência Nacional do Petróleo, esse valor era de R$ 3,55. “Essa nova lógica de competitividade contribuiu até para a redução dos índices de inflação no DF”, comentou o presidente do Cade e relator do processo da Cascol, conselheiro Gilvandro de Araújo.

     

    “Esse é o primeiro termo de compromisso de cessação firmado com essa envergadura de colaboração, com a atuação firme do Ministério Público do DF e do Cade, cada um dentro de suas competências”, afirmou Gilvandro. “O que é mais relevante é que se trata do primeiro TCC na história em que há a deliberação da empresa para fazer desinvestimentos”, acrescentou o presidente do Cade, fazendo menção à venda de parte dos postos. “O objetivo do conselho é estimular a competitividade no mercado do DF, com a diminuição desse player robusto.”

     

    As investigações sobre a existência de um cartel no setor começaram em 2009, a partir de uma denúncia do hoje senador José Reguffe (sem partido). Em nota, a Cascol informou que “reitera o seu compromisso de respeito à livre concorrência, de renovação das suas práticas empresariais e de implementação de rigorosas políticas de compliance”.

     

    Código de ética

     

    A rede apresentou uma proposta de compliance, que prevê a elaboração de um código de ética, com enunciação didática dos princípios e das diretrizes que vão nortear a administração, a identificação de áreas de risco, além da proposta de profissionalizar a administração com reestruturação societária. “Haverá uma estrutura mais profissional e mais blindada contra condutas que venham a comprometer o DF”, garantiu Gilvandro de Araújo.

     

    O superintendente do Cade, Eduardo Frade, garantiu que o conselho fiscalizará os termos firmados no acordo, como a obrigação de venda de parte dos estabelecimentos. O conselho vai monitorar os negócios, para que não haja risco do repasse dos postos para laranjas, por exemplo. Ele confirmou que o Cade continua a investigar a atuação do cartel e não descarta a punição de outras revendedoras de combustível. “A empresa é obrigada a reconhecer sua participação nessa conduta e, além de pagar a multa, é obrigada a colaborar com as investigações. Fez parte do acordo uma colaboração da empresa e das pessoas físicas, relatando a conduta, trazendo novos elementos de evidência e documentos. Isso pode envolver outros agentes”, explicou Frade.

     

    Apesar de manter sob sigilo quantos e quais postos terão que ser vendidos, o superintendente do Cade garantiu que a medida atinge estabelecimentos de várias cidades do DF. “A empresa vai deixar de ter um número relevante de postos para que haja uma desconcentração do mercado. São postos selecionados por nós, com dispersão geográfica, para levar mais concorrência às cidades onde havia mais concentração”, contou o representante do Cade. Ao homologar o acordo com a Cascol, o conselho concordou com o fim da intervenção na gestão dos postos da rede. A medida preventiva venceria esta semana e foi encerrada definitivamente.

     

    No relatório que embasou o pedido de prisão de alguns empresários do setor, em 2015, durante a Operação Dubai, a Polícia Federal apontou que “a BR Distribuidora fornece produtos com exclusividade para mais da metade dos postos locais, e a rede Cascol, antiga Gasol, tem 95 dos 312 desses estabelecimentos”. Ainda de acordo com esse levantamento, entregue à Justiça quando a operação foi deflagrada, a rede vendia de 1 milhão a 1,1 milhão de litros de combustível por dia. “A conduta da Rede Cascol não consiste apenas em saber o preço de aquisição dos concorrentes e garantir que ela compre melhor do que os demais. Ela também faz combinações de preços de forma ativa com os concorrentes”, apontou, à época, o relatório que embasou os pedidos de prisão.

     

    MEMÓRIA

     

    Sem concorrência

    A primeira fase da Operação Dubai. deflagrada em novembro de 2015, revelou um cartel no mercado de revenda de combustíveis no Distrito Federal. A gasolina era sobretaxada em 20% para os consumidores. Na primeira fase, a Polícia Federal, em parceria com o Cade e com o Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado do MPDF, cumpriu sete prisões temporárias, 44 mandados de busca e apreensão e 22 conduções coercitivas. Os prejuízos totais para os consumidores da capital foram avaliados em R$ 1 bilhão por ano.

     

    A apuração revelou também uma inflação no preço do álcool. A estratégia era usada pelo cartel para evitar a penetração no mercado brasiliense, tornando o álcool um combustível não atrativo economicamente para o consumidor. A segunda etapa da Dubai, em 6 de maio do ano passado, cumpriu quatro mandados de condução coercitiva e quatro de busca e apreensão. Nessa fase, foi revelado que um cartel periférico contou com a ajuda de redes maiores, envolvidas na 1ª etapa, para pactuar um único preço elevado.

     

    “Antes, todos estavam com os mesmos valores nas bombas. Depois

    da intervenção, percebi que os preços passaram a variar”

    Wagner Batista Santos, mestre de obras

     

    “A medida é justa, pois tira o poder das mãos deles (Cascol) e

    dá oportunidade para que os outros postos desenvolvam negócios”

    Marco Antônio Modesto, dono de um posto no Setor de Indústrias Gráficas (SIG)

     

    Abertura do mercado

     

    Por Thiago Soares

     

    Os consumidores viram com bons olhos as medidas impostas pelo Cade. O mestre de obras Wagner Batista Santos, 55 anos, abastece o carro ao menos uma vez por semana. Ele espera que, agora, a concorrência entre os postos aumente. “Antes, todos estavam com os mesmos valores nas bombas. Depois da intervenção, percebi que os preços passaram a variar.” Wagner relatou também que, após as primeiras divulgações sobre o cartel, ele passou a ser mais criterioso. “Hoje, não abro mão de pesquisar.”

     

    O advogado Gilberto Ribeiro, 56 anos, acredita que, após a intervenção do Cade, ocorreu um aumento da concorrência. “A tabela era padronizada, não se via diferença dos valores de um posto para o outro”, destacou. Morador do Lago Sul, ele abastece, em média, duas vezes por semana. Para Gilberto, é importante que as ações de fiscalização continuem para evitar uma nova prática de cartel local.

     

    Mais justo

     

    Dono de um posto no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), Marco Antônio Modesto acredita em melhorias no setor após a operação. “A medida é justa, pois tira o poder das mãos deles (Cascol) e dá oportunidade para que os outros postos desenvolvam negócios. A concorrência foi desleal por muito tempo”, detalha. “Sofremos muito tempo com essa situação. Agora, espero uma disputa sadia, que vai ser satisfatória para os clientes também.”