Candidato a Distrital Trocava Atestados e Medicamentos da rede pública por Votos, segundo denúncia do MP

    Profissionais da Saúde são investigados

    Crime eleitoral sob a farra dos atestados

    Os promotores Luis Henrique Ishihara, de Defesa da Saúde (Prosus), e Maurício Miranda, de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde, lideram as investigações

    Por OTÁVIO AUGUSTO-Ed Alves/CB/D.A Press/Correio Braziliense – 21/12/2016 – 08:00:17

    O Ministério Público deflagra a segunda fase da Operação TrackCare com indícios de que médico da rede pública do DF distribuiu medicamentos, sem consulta, para conseguir votos nas eleições de 2014. Ele tentou uma vaga na Câmara Legislativa.

    Onze dias após a primeira fase da Operação TrackCare, que apura fraudes em atestados e receitas médicas da Secretaria de Saúde, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagrou, ontem, a segunda etapa da apuração. Desta vez, há suspeitas de que o médico Marcus Antônio Costa se beneficiou do esquema nas eleições de 2014, quando disputou uma vaga à Câmara Legislativa. Ele teria distribuído remédios, sem consulta, para comprar o voto de possíveis eleitores, segundo os investigadores.

    Um bloco com cerca de 50 receitas médicas apreendido no porta-malas do carro da enfermeira Daniela Toledo, alvo da primeira fase da TrackCare, levou o MPDFT a investigar o uso das folhas. Todas estavam assinadas e carimbadas pelo médico Felix Javier Leon Molinet. Não se sabe se a autenticação é falsa. Em depoimento à Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap), Marcus confessou que Daniela e Felix trabalharam na campanha eleitoral dele, mas não soube precisar que atividades eles desempenhavam. Ele, porém, não foi preso.

    Antes das 7h de ontem, policiais civis e promotores cumpriram mandados de busca e apreensão em três endereços da capital federal. Os investigadores foram surpreendidos no Centro de Saúde nº1 de São Sebastião. Lá, há indícios de destruição de provas. Informações de prontuários médicos, como guias de atendimento de emergência e segunda via de receitas, podem ter sido queimadas no ano passado. O sumiço dos dados ocorreu em um período específico: 2014. Documentos similares de 2015 e de 2016, por exemplo, estão intactos.

    O promotor de Defesa da Saúde (Prosus), Luis Henrique Ishihara, conversou com funcionários da unidade médica. Eles contaram que, no ano passado, algumas caixas de documentos foram destruídas. “A Secretaria de Saúde será questionada para saber o que aconteceu com essas informações. Não tenho certeza, mas acredito que não há cópias. Normalmente, esses dados ficam arquivados nas unidades. Agora, o que está muito claro é que essa destruição atrasou a nossa investigação”, reclamou.

    Marcus Antônio Costa atua como médico do trabalho. Ele concorreu a distrital pelo Partido Pátria Livre (PPL), recebeu 8.119 votos, mas não se elegeu

    Crimes

    Para Ishihara, pode ter havido, além de falsidade ideológica e peculato, crime eleitoral. “Não é nossa função apurar isso, mas há fortes indícios”, adianta. Existe a possibilidade também, segundo ele, de formação de “organização criminosa”. O MPDFT ainda não sabe quantas pessoas receberam medicamentos, quais foram os remédios desviados e se há mais profissionais envolvidos. “Temos de analisar o material apreendido hoje”, explica. O promotor apura, ainda, se houve venda ou troca de medicamentos por outras vantagens. “Não descartamos nenhuma possibilidade neste momento”, pondera Ishihara.

    Marcus Antonio está no foco da segunda fase da TrackCare. Ele é acusado de compra de votos em troca de remédios. Os pacientes sequer passaram por consultas. Mesmo assim, o artifício não funcionou. O médico, que concorreu pelo Partido Pátria Livre (PPL), não se elegeu. Terminou a disputa em 46º lugar, com 8.119 votos. Como médico do trabalho, Marcus recebe, por mês, R$ 28.534. O Correio entrou em contato com ele, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Até abril de 2015, Marcus fazia parte do Conselho Regional de Saúde de São Sebastião — mecanismo de fiscalização do setor.

    Segundo os investigadores, à época da campanha eleitoral, Marcus, Félix e Daniela trabalhavam juntos. Ontem, Félix não foi encontrado. Segundo a Secretaria de Saúde, o profissional está de férias. A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos citados na investigação. O promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), Maurício Miranda, quer descobrir agora como o esquema funcionou após as eleições. “A profissional estava com várias receitas assinadas no carro. O que ela queria com isso? Como estava usando? Ela estava afastada do Marcus e do centro de saúde de São Sebastião”, ressalta Miranda.

    Celeridade

    A Secretaria de Saúde instaurou uma sindicância para apurar a destruição de dados do Centro de Saúde Nº1 de São Sebastião. “(Vamos) tentar localizar os referidos documentos, referentes ao ano de 2014, alvo da segunda fase da Operação TrackCare. A Corregedoria está tomando todas as providências cabíveis, e os envolvidos prestarão esclarecimentos”, destacou a superintendente da Região de Saúde Leste (Paranoá e São Sebastião), Fabiana Loureiro Binda do Vale, em nota.

    A pasta colabora com as investigações, mas também é alvo de questionamentos, sobretudo ligados à falta de fiscalização. Ontem, o Executivo local reafirmou o compromisso de ajudar na apuração. “A Corregedoria da pasta está atuando para identificar e coibir eventuais irregularidades praticadas por servidores e esclarece que nenhum desvio de conduta será tolerado pela administração”, finaliza o texto.

    O promotor Maurício Miranda destaca que a fraude compromete os serviços prestados à população e que o governo deve reforçar os mecanismos de fiscalização e de controle da pasta a fim de evitar esquemas semelhantes. Miranda quer apresentar a denúncia do caso o mais rápido possível, mas não divulgou data. “Esse é um caso simples de se investigar. Temos de apostar também na ação educativa que a operação traz aos servidores”, argumenta.

    Fragilidades

    Repetidas vezes, o MPDFT criticou a falta de segurança das plataformas de ponto da Secretaria de Saúde. Essa é a segunda vez neste ano que os sistemas são alvo de investigação. A pasta admite que não tem como fazer mudanças para fortalecer a segurança do sistema que gerencia os dados. “A respeito dos sistemas ForPonto e Trackcare, a secretaria informa que ambos são para registros de informações, com acesso restrito a pessoas autorizadas e mediante senha de uso pessoal. Não há o que ser feito para fortalecer os sistemas”, explica, em nota.

    Máfia das Próteses

    O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagrará operação no início do próximo ano para investigar a atuação da Máfia das Próteses na rede pública. Não se trata de um desdobramento da Mister Hyde, mas, sim, de apuração independente. A Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida) cuida dos detalhes em sigilo. Há indícios que comprovam a atuação do esquema na rede pública, conforme adiantou ao Correio o promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), Maurício Miranda. Segundo o MPDFT, trata-se de uma “questão delicada” e, por isso, ainda não pode ser revelada. Entre as fraudes, os investigadores apuram estelionato, crime contra a saúde pública e organização criminosa.

    Informa Tudo DF