Dilma cria comissão para enfrentar Cunha no embate pela maioridade penal

    Comissão de ministros recebe do Planalto a missão de elaborar proposta que se contraponha à PEC defendida pelo presidente da Câmara. Relator inclui no texto a realização de referendo popular

    Evaristo Sá/AFP - 30/3/15

    Em resposta ao anúncio do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de que vai agilizar a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal dos atuais 18 anos para 16, e colocá-la em votação ainda neste mês, a presidente Dilma Rousseff (PT) criou nessa segunda-feira uma comissão de ministros que vai elaborar a proposta do governo para se contrapor à PEC. Enquanto a presidente defende o debate sobre outras medidas de combate à impunidade, o relator da proposta, Laerte Bessa (PR-DF), avisou que vai apresentar o relatório pela aprovação do texto no próximo dia 10 já com o artigo que estabelece a realização de um referendo sobre o assunto no ano que vem – possivelmente com as eleições para prefeitos e vereadores.

    Cunha voltou a afirmar nessa segunda-feira que trabalhará para acelerar a votação da PEC da Maioridade. O objetivo, disse ele, é garantir que a matéria esteja votada em plenário até o fim deste mês. A jornalistas, o presidente da Câmara disse que o relator havia “lhe avisado” que colocaria, na semana que vem, o relatório em votação na comissão especial que analisa o tema. “Votando na comissão o relatório, nos vamos trazer imediatamente para o plenário”, disse Cunha. Se a votação se confirmar, a CCJ terá trabalhado por menos de 20 sessões, quando o prazo desse tipo de colegiado é de 40 sessões (cerca de três meses).
    O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Edinho Silva, ressaltou que o governo federal defende medidas como o agravamento da pena para adultos que usem menores para a prática de crime e evitou comentários quando foi questionado se o texto da PEC representa um “retrocesso”. Mas disse que países que adotaram regra semelhante não registraram queda nos índices de criminalidade. “O que nós temos de fazer é investir no combate à impunidade”, completou. O grupo que envolverá vários ministérios será coordenado pela Casa Civil. Em 2013, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), havia apresentado projeto de lei que torna crime hediondo e triplica a pena para quem usar criança ou adolescente para a prática de delitos.

    Em relação às afirmações de Eduardo Cunha, Edinho Silva reiterou a posição do Palácio do Planalto sobre a polêmica questão. “Colocar o projeto da maioridade em votação é um direito do presidente (da Câmara), é um direito que ele tem enquanto parlamentar que preside a Casa. Cabe a ele criar a agenda de debates do Legislativo. Neste sentido, o governo respeita o poder, mas todos sabem que o governo e a presidente Dilma têm outra posição. O governo não acredita que a redução da maioridade penal vai se refletir na queda da criminalidade no Brasil”, afirmou o ministro.

    ‘NOVA POLÊMICA’ No domingo, Eduardo Cunha comentou pelo Twitter que a maioridade penal seria a nova “polêmica” na Câmara. E sugeriu a realização do referendo – pedido atendido pelo relator Laerte Bessa. De acordo com o parlamentar, o relatório manterá a proposta já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sem qualquer outra modificação. Sobre os planos de Cunha de aprovar o texto até o final deste mês, Bessa foi evasivo. “Vamos decidir amanhã (nesta terça-feira) em plenário como conduziremos a votação, como faremos para acelerar a tramitação”, disse o deputado. Dentro da comissão especial, 21 dos 27 deputados federais já se manifestaram a favor da redução da maioridade penal.

    A defesa da PEC é mais uma forma de Eduardo Cunha manifestar sua oposição ao PT e ao governo federal. A presidente Dilma chegou a publicar um vídeo no Facebook em que defende que a mudança na legislação não vai resolver o “problema da delinquência juvenil”. Durante a tramitação da PEC na CCJ – quando foi aprovada a sua admissibilidade –, deputados do PT, PCdoB e PSOL votaram contra, mas como eram minoria, foram derrotados. Parte da base aliada votou a favor: entre eles, integrantes do PRB, PSD e PR. As bancadas do PMDB, PDT e Pros liberaram seus deputados.

    SUPREMO Dois mandados de segurança para impedir a tramitação da PEC da maioridade penal já estão em tramitação no Supremo Tribunal Federal. O primeiro deles foi ajuizado pelo deputado federal Luiz Gionilson Pinheiro Borges (PMDB-AP), conhecido como Cabuçu Borges. A alegação do parlamentar é que o artigo 228 da Constituição Federal estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Para ele, trata-se de uma “cláusula pétrea” referente a direitos e garantias individuais – e, portanto, não pode ser alterada. Outra ação, com argumentos semelhantes, foi ajuizada pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA). O ministro Dias Toffoli é o relator dos dois mandados, e, em ambos, negou liminar para suspender a tramitação da proposta. (Colaboraram André Shalders e Julia Chaib)

    Especialistas rejeitam redução

    Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas foram unânimes ao rebater a tese de que a redução da maioridade penal vá diminuir a criminalidade no Brasil. Até porque o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) já estabelece a punição de menores que cometem “atos infracionais” a partir dos 12 anos, com penas que vão desde a prestação de serviços comunitários até a internação em centros de recuperação. Além disso, levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que o índice de reincidência desses menores internados é de 20%, enquanto nas penitenciárias brasileiras chega a 70%.

    “A pior coisa em termos de segurança pública seria a redução da maioridade. O que combate a criminalidade não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição”, afirma a advogada Renata Romam, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG). Ela diz ainda que hoje os menores respondem a processos nas varas da Infância e Juventude, cujo julgamento é bem mais rápido. Para quem reclama que o período limite de internação do menor é de três anos, ela argumenta que é possível estender o prazo, dependendo de cada caso.

    Alterar o ECA, prevendo um tempo maior de internação para os menores seria uma medida muito mais eficaz, opina o jurista Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil, voltado para a prevenção do crime e da violência. “Menores que matam não têm que ficar (nos centros de recuperação) somente três anos. Poderia ser alterado para o prazo até ele completar 21 anos”, defende ele. Em caso de crimes mais graves, o infrator seria encaminhado para o sistema prisional comum após essa idade. O jurista lembra ainda que, mais do que defender a criminalização de menores, é preciso pensar onde colocá-los.

    Opinião semelhante tem Alberto Luiz Alves, coronel e presidente da Associação dos Militares Estaduais do Brasil (AMEBR). Para ele, a redução da maioridade penal é apenas uma resposta rápida para a sociedade, que reclama da falta de segurança. Mas não vai resolver o problema. “Com a aprovação (da redução da maioridade), só vamos encarcerar mais pessoas. Muita gente quer a redução, mas vamos ter estrutura para colocar esses adolescentes? Eles vão ficar com os adultos?”. O coronel argumenta que não são necessárias mais leis, mas que as atuais sejam cumpridas – o que passa pela apuração dos crimes e a certeza da punição.

    A promotora de Justiça Paola Botelho Reis de Nazareth concorda. Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CAOCDA), ela pondera que hoje faltam vagas para os menores nos centros de recuperação – somente em Minas Gerais, o número chega a 900. “Muitos infratores acabam sendo colocados em liberdade assistida porque a vaga deve ir para outro”, lamenta. Dessa forma, a promotora defende mais investimento público na ressocialização do menor, o que passa por recursos para programas sociais, educação, esporte e lazer. “Hoje, o adolescente é colocado como o grande problema da violência, e não é.”

    fonte: em.com.br