Justiça do DF anula cobrança de taxa extra de 20% na conta de água

    Decisão não impacta valores que já foram pagos; governo ainda pode recorrer. Tarifa adicional incide sobre todas as casas que gastarem mais de 10 mil litros mensais.

    Hidrômetro no Laboratório de Micromedição da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) (Foto: Renato Araújo/Agência Brasília)

    A Justiça do Distrito Federal decidiu cancelar a cobrança da tarifa de contingência nas contas de água da capital, a partir deste mês. A sentença da 3ª Vara de Fazenda Pública determina multa para a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) em caso de descumprimento, mas não reverte as cobranças que já foram enviadas. Cabe recurso, mas a decisão tem efeito imediato.

    Na sentença, o juiz Jansen Fialho de Almeida afirma que a cobrança de 20% adicionais sobre as contas de água que ultrapassam o consumo mínimo de 10 mil litros ao mês – ou 10%, nas contas de casas populares – tem “grande impacto social e econômico”. Segundo ele, os maiores usuários de água não são os consumidores residenciais, mas a indústria, a agricultura e o comércio.

    O magistrado afirma que tem “plena ciência da atual crise hídrica”, mas diz que as medidas adotadas devem visar à solução do caso, “sobretudo tratando os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade”.

    “[…] Não [se deve] utilizar a tarifa de contingência como possível preceito desviado de sua finalidade, qual seja, arrecadar dinheiro para os cofres públicos e não inibir o consumo ou desperdício dos reais e potenciais usuários de água, isto é, os consumidores industriais e comerciais, salvo melhor juízo.”

    O G1 tentou contato com o Palácio do Buriti e com a Caesb no fim da noite desta segunda (3), mas não obteve retorno. Se descumprirem a determinação, os gestores da companhia de águas poderão ser multados em R$ 5 mil ao dia, até o máximo de R$ 500 mil, e também ficam sujeitos a sanções cíveis e administrativas.

    A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa) também é citada no processo mas, ao decidir sobre o caso, o juiz da 3ª Vara de Fazenda não estabelece multa para os gestores do órgão.

    Ao longo do processo, a Adasa pediu para ser retirada do polo passivo da ação, alegando que não era responsável pela cobrança. Na decisão mais recente, o juiz Jansen Fialho de Almeida diz que a agência é corresponsável já que, além de ser autora da resolução que permitiu a cobrança da taxa extra, é também a entidade “responsável pela regulação econômica da prestação do serviço de fornecimento de água”.Barragem de Santa Maria, no DF, exibe 'assoalho' do tanque em meio à crise hídrica, em imagem de fevereiro (Foto: Tony Winston/GDF)

    Barragem de Santa Maria, no DF, exibe ‘assoalho’ do tanque em meio à crise hídrica, em imagem de fevereiro (Foto: Tony Winston/GDF)

    Tarifa extra

    Em entrevista no início de março, o diretor da Adasa José Walter Vazquez chegou a admitir que a população “está sendo penalizada demais, pela taxa e pelo não fornecimento de água”. Apesar disso, o gestor disse que não havia previsão de suspender a cobrança da tarifa de contingência no curto prazo.

    Só em fevereiro, a tarifa de 20% sobre as contas residenciais que estão acima do “mínimo” arrecadou R$ 8,54 milhões aos cofres públicos. O valor foi 48% maior que o arrecadado nos dois meses anteriores (dezembro e janeiro), que somou R$ 5,77 milhões.

    Isso aconteceu porque, segundo a Caesb, as contas de fevereiro incluíram valores que deveriam ter sido cobrados em dezembro, mas ficaram pendentes porque uma outra decisão judicial tinha suspendido a incidência da tarifa adicional.

    Segundo a Caesb, cerca de 112 mil usuários foram cobrados com a tarifa em dezembro, na “estreia” da mudança. Em janeiro, foram 300,1 mil. Já em fevereiro, 232,6 mil tiveram que pagar uma conta de água e de esgoto mais cara em função da taxa. Os dados de março ainda não tinham sido divulgados até esta segunda.Técnico da Caesb espera para girar válvula de registro e liberar o fluxo de água (Foto: Luiza Garonce/G1)

    Técnico da Caesb espera para girar válvula de registro e liberar o fluxo de água (Foto: Luiza Garonce/G1)

    Uso do dinheiro

    O dinheiro arrecadado com a cobrança vai para uma “conta exclusiva” que só poderá ser sacada com o aval da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa). A previsão é de que a verba só seja usada em ações específicas para enfrentar a crise hídrica, sendo proibida a aplicação em despesas de pessoal ou custeio.

    Qualquer ação que a Caesb pretenda fazer deve ser aprovada pela Adasa, que dá o aval para liberar o recurso. Para isso, a companhia precisa mostrar um relatório indicando o motivo do gasto, o cronograma e o orçamento detalhado.

    Ao G1, o superintendente da Adasa Cassio Leandro Cossenzo disse que a ideia é estabelecer limites para usar o dinheiro da melhor forma. Segundo ele, gastos da Caesb que foram gerados antes do início da taxa extra poderão ser pagos com o recurso. Para isso, é preciso que o gasto tenha ocorrido depois de o GDF decretar situação de emergência.

    “O que é essencial nessa minuta é que ela vem estabelecendo os pontos tanto de custos quanto de investimentos para o setor. Já tem um rol para a população saber onde vai ser gasto o dinheiro, saber dos prazos, e o formato com que a Caesb deverá informar isso”, detalhou.

    Veja aqui as destinações que a Adasa quer dar ao dinheiro:

    • Ações de propaganda e conscientização
    • Métodos para reduzir controle de perdas de água do sistema, trazendo vistorias e fiscalização
    • Substituição de redes com vazamentos e outras ações para combater vazamentos
    • Instalação de válvulas para reduzir pressão da água
    • Instalação de aparelhos chamados “data loggers” em pontos considerados estratégicos para medir e registrar a pressão, a fim de detectar vazamentos e a descontinuidade do serviço
    • Substituição de hidrômetros
    • Interligação dos sistemas produtores de água “com o objetivo de aumentar a segurança operacional”
    • Construção de adutoras e redes de interligação
    • Cercamento e recuperação de nascentes e matas ciliares
    • Obras emergenciais de adequação da captação
    • Construção ou adequação de barragens de reservatórios
    • Estudos emergenciais de novas fontes de captação de água
    • Perfuração e estruturação de poços artesianos em caráter emergencial